Papo de Box: Reflexões sobre o drama de Interlagos

No inÁ­cio dos anos 70, o automobilismo era um esporte pra lá de radical. Só a F1 matava um ou dois pilotos todos os anos.

Eu me lembro de ter perdido 10 de meus colegas em circunstâncias trágicas. Algumas delas bem na minha frente, como Tom Price no GP da África do Sul de 1977. Emerson Fittipaldi, que correu por mais tempo, perdeu 35 de seus contemporâneos…

Eu tinha quase certeza que este seria meu destino e estava preparado para isso exercitando minha certeza da vida eterna pelos méritos de Jesus Cristo a cada corrida.

Graças a Deus, escapamos para contar as histórias. Com o passar dos anos, a tecnologia tornou os carros e circuitos tão seguros que acabamos nos esquecendo que qualquer coisa que se move a mais de 50 km/h é uma máquina mortÁ­fera em potencial.

Neste fim de semana, fomos pegos pelo drama em Interlagos.

No fim da tarde de sábado, eu pensava com meus botões: até que ponto vale a pena investir tanto tempo levando o evangelho a um ambiente tão secularizado e materialista como o automobilismo? Afinal de contas, a maioria das pessoas aqui não quer saber das coisas de Deus. E quando o procuram, é no intuito de sacar alguma benção para conquistar vitórias de acordo com a escala de valores do mundo de Marlboro…

No domingo, um acidente horrÁ­vel na Curva do Café fez calar um autódromo inteiro e encerrou a corrida. Dois pilotos foram levados de ambulância para o centro médico depois de um longo tempo sendo extraÁ­dos dos destroços de seus carros.

Grudados na cerca do centro médico um grupo de familiares, amigos e pilotos, aguardava ansioso alguma notÁ­cia. Pelo tempo que demorou, eu já sabia que não seria nada boa.

Depois de um tempão, duas ambulâncias saÁ­ram do prédio, e os médicos vieram conversar com os pais de Pedro Boesel e Gustavo Sondermann.

Quando os médicos terminaram a explicação, os pais se abraçaram longamente e vieram até a cerca nos contar que Pedro havia quebrado a clavÁ­cula e machucado a perna. Gustavo sofreu lesão cervical com parada respiratória, foi reanimado, estabilizado e enviado ao Hospital São Luiz para um ‘brain scan’ para avaliar se havia dano cerebral.

No hospital, a multidão era maior e mais preocupada. Às oito da noite o médico leu o boletim: fratura da vértebra numero 1, com rompimento de uma artéria, que resultou em morte cerebral. Seu coração continua batendo.

Gustavo respira artificialmente. Como mandam os procedimentos, faremos uma nova avaliação dentro de 12 horas.

Alguém perguntou do meio da multidão se o quadro era reversÁ­vel e o médico respondeu: em 36 anos de profissão nunca vi um quadro desses reverter — e encerrou seu pronunciamento.

O silencio tomou conta da multidão. Por alguns minutos, tudo que se ouviu foram soluços ou prantos contidos.

O contraste com o barulho e a indiferença do sábado foi enorme. Cada um a seu modo passou a refletir e até expressar-se sobre a fatalidade e a fragilidade da vida.

Agradeci a Deus por ser o cara certo, e estar no lugar certo na hora certa para ajudar muitos deles a serem consolados com as consolações que muitas vezes me consolaram vindas diretamente do trono da graça de Deus em meus piores momentos de tristeza, angústia e dor…

O que pode e o que deve ser feito

As implicações do acidente são muitas. Mais importante que descobrir e crucificar culpados é rever nossos conceitos de segurança. Coisa que todo piloto que já passou pela Curva do Café a mais de 200 km/h já sabe de cor.

O fato de Interlagos ser aprovado pela FIA para corridas de F1 não impediu a morte de Gustavo Sondermann, nem trará de volta os que já morreram no calcanhar de Aquiles de Interlagos.

Os carros da Copa Montana pesam o dobro do peso de um F1 e seus chassis em forma de gaiola são dez vezes menos resistentes que as modernas e caras células de sobrevivência dos chassis que F1. Que custam mil vezes mais.

A idéia de realizar corridas com bandeira amarela proibindo ultrapassagens no local é ridÁ­cula porque fere a essência de qualquer esporte: a competição.

A meu ver, a melhor solução seria começar com a imediata construção de uma chicane antes do Café como fizeram com a Tamburello em Imola depois da morte de Ayrton Senna.

O sacrifÁ­cio de sua vida e de tantos pilotos que morreram nas pistas detonou um processo de desenvolvimento tecnológico que está salvando a vida de pilotos e motoristas de carros de rua todos os dias através de dispositivos de segurança que passaram a equipar não só os carros de corridas e as pistas, mas as avenidas e carros de passeio em todo o mundo…

E o mesmo pode e deve ser feito no Brasil.

—————————————————————————————————————–

Alex Dias Ribeiro – Piloto de F-1 entre 1976 e 1979.Â