Stock: Piloto da Stock Car realiza cirurgia “dos sonhos”

Portador da SÁ­ndrome de Gilles de la Tourette, André Bragantini Júnior sofre com espasmos musculares e tiques de voz há 20 anos.

Graças a ajuda de amigos e patrocinadores, o vice-campeão da Stock Car Light 2007 e piloto da equipe Nova/RR na Copa Nextel deste ano, André Bragantini Júnior, de 29 anos, realizou o sonho de sua vida. No último sábado, dia 16 de fevereiro, ele foi submetido a uma cirurgia que reduzirá em pelo menos 70% os efeitos causados pela SÁ­ndrome de Gilles de la Tourette. A doença ocasiona espasmos musculares e tiques de voz, que já causaram inúmeros desconfortos ao piloto.

A cirurgia chegou ao Brasil apenas no ano passado, por intermédio do neurocirurgião Osvaldo Vilela Filho, de Goiânia, que é o único do mundo a realizar a intervenção por meio da introdução de um eletrodo (que é regulado por um marcapasso) no globo pálido externo – região do cérebro que controla as reações musculares. “O primeiro paciente foi operado em 2004 e hoje reduziu em 90% o número de espasmos e tiques”, revela o médico.

Anteriormente, apenas uma equipe de neurologistas holandeses realizou em 1999 cirurgias para curar a doença. Mas o método utilizado pelos europeus era diferente do criado pelo médico brasileiro, já que o procedimento era feito no tálamo medial.

Em janeiro deste ano, André realizou inúmeros exames que o habilitaram a ser submetido ao procedimento, que acontecerá no Hospital Neurológico de Goiânia.

PRECONCEITO

Em 2007, André Bragantini foi multado pelo condomÁ­nio onde morava devido ao barulho que fazia e que, segundo o sÁ­ndico, incomodava os vizinhos. Por isso, resolveu morar numa casa. “Me mudei em janeiro deste ano, depois de sofrer por muito tempo com o preconceito dos vizinhos do prédio onde eu morava, em Curitiba”, lamenta.

Para o paulista, radicado na capital paranaense há três anos, o local onde ele mais se sente Á  vontade é o autódromo. “Nas pistas todo mundo me conhece e me respeita. A SÁ­ndrome é algo que convive comigo e eu já estou acostumado com ela, mas, infelizmente, a sociedade não. No meu cotidiano é onde mais sofro, afinal de contas não tenho tranqüilidade para ir a nenhum lugar, pois as pessoas ficam me observando como se eu fosse um louco e isso me incomoda muito”, lamenta.
 
CARREIRA

Desde criança André sonhava em ser piloto. “Meu pai trabalhava com automobilismo e meu tio foi um dos grandes pilotos brasileiros nas décadas de 70 e 80. Eu praticamente nasci no meio e ser piloto foi uma conseqüência natural. Além de amar o que faço, isso ajudou bastante”. Aos 28 anos, ele já passou pela extinta Fórmula Fiat de Turismo, pela Stock Car V8, pela Copa Clio e foi vice-campeão Brasileiro da Stock Car Light em 2007, com três vitórias.

Mas não foi fácil para André Bragantini chegar a esse patamar profissional. Além das diversas dificuldades que qualquer piloto enfrenta para se tornar reconhecido, André teve que superar mais um obstáculo. Aos seis anos de idade, ele começou a ter diversos “tiques”, e ninguém conseguia descobrir do que se tratava. “Foi bem demorado para a doença ser diagnosticada. Só fui realmente descobrir o nome da doença, que é SÁ­ndrome de Gilles de la Tourette, há cinco anos, com um médico em São Paulo”, revela.

A SÁ­ndrome, que atinge uma em cada 200 pessoas, está classificada entre os tiques crÁ´nicos e é caracterizada por diversos tiques motores e vocais, como fazer caretas, gestos, pular e ficar repetindo diversas palavras. Os espasmos se iniciam na infância ou na adolescência e persistem na vida adulta, podendo acarretar alterações significativas na vida dos portadores e de seus familiares.

Poucos portadores da SÁ­ndrome conseguem um limitado controle sobre seus tiques. “Infelizmente, não consigo controlar, pois os movimentos são involuntários. Quando estou nervoso ou ansioso, sei que preciso me acalmar para amenizar um pouco seus efeitos, mas mesmo assim é uma tarefa muito difÁ­cil”, argumenta. Segundo especialistas, atividades que exigem concentração podem diminuir o problema. “Quando dirijo ou piloto, os espasmos diminuem em até 80% e por causa disso nunca tive problemas na direção”, ressalta.

A causa da doença ainda não foi encontrada, mas as pesquisas atuais mostram que o problema se origina de anomalias metabólicas de pelo menos um neurotransmissor cerebral, a dopamina.

Existem medicamentos eficazes que auxiliam no controle dos sintomas, quando estes prejudicam a vida do portador, mas que podem causar alguns efeitos colaterais. “Eu tomei muitos remédios que faziam com que a SÁ­ndrome melhorasse mais de 50%, mas que em compensação me causavam enjÁ´os, sonolência e irritabilidade, o que me prejudicava muito no dia-a-dia. Preferi então parar com tudo e continuar vivendo como antes, afinal, com a SÁ­ndrome consigo me acostumar e fazer tudo normalmente. Espero que, agora, com a cirurgia eu consiga ter uma vida normal”, diz.

A doença não impediu André, o único piloto brasileiro com a SÁ­ndrome, a ter sucesso profissional. “Ainda sou novo, e tenho o sonho de viver do automobilismo conquistando vitórias e tÁ­tulos”. Por ser um exemplo de superação, André realiza palestras motivacionais para a empresa Hope RH, principal patrocinador dele na Stock Car. “Isso faz com que eu reverta a imagem negativa que a SÁ­ndrome apresenta de inÁ­cio para algo bom e positivo. Assim, as pessoas podem se espelhar no meu exemplo de que nada é impossÁ­vel de se conquistar e que cada um de nós pode ser um vencedor na vida”, lembra.